terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Projetos paisagísticos de Burle Marx dão identidade a BH

por Gustavo Werneck - Jornal Estado de Minas

Se estivesse vivo para participar, este ano, das comemorações do seu centenário, o paisagista e artista plástico Roberto Burle Marx (1909-1994) passaria do céu ao inferno em questão de segundos.

Autor de dezenas de projetos paisagísticos em Minas Gerais, a maior parte na capital, ele, com certeza, ficaria satisfeito ao ver a conservação do Parque das Mangabeiras, na Região Centro-Sul, que ganhou seu traço em1980, mas horrorizado ao visitar a Praça Alberto Dalva Simão, na Pampulha, para a qual trabalhou nas décadas de 1940 e 1970. Enquanto o primeiro espaço mantém a beleza original, plantas bem cuidadas e limpeza permanente, o segundo vive em petição de miséria, ultrajado por uma série de outras agressões. “Burle Marx foi o arquiteto da paisagem, um mestre em organizar ambientes para atender as necessidades do homem. Há, em BH, uma falta de preocupação, de cultura e de apreço para com a sua obra, que é de reconhecimento internacional”, diz o arquiteto e urbanista mineiro Ricardo Lana, que lança, em março, o livro Arquitetos da paisagem sobre o paulista criado no Rio de Janeiro (RJ) e que encontrou solo fértil para o seu talento em Belo Horizonte, Ouro Preto, Brumadinho e Congonhas, na Região Central; Cataguases, na Zona da Mata; e Araxá, no Alto Paranaíba.

Num passeio pela capital, é possível admirar, sem dificuldade, as famosas curvas da arquitetura de Oscar Niemeyer, de 101 anos, se integrando aos contornos floridos dos canteiros existentes desde a construção da Pampulha, há 66 anos, dentro do conjunto arquitetônico tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Para começar, Lana mostra a síntese de toda a obra do paisagista: o Museu de Arte da Pampulha (MAP), antigo cassino debruçado sobre a orla. “Aqui estão todos os elementos presentes nos seus projetos. As manchas de flores, isoladas no meio da grama, o contraste de cores, linhas sinuosas, formas orgânicas e vegetação do jeito que se apresenta na natureza. Outra forte característica é o espelho-d’água, sempre na forma ameboide”, relata o arquiteto, lembrando que o espaço guarda esculturas de José Pedrosa, Zamoiski e Ceschiatti e grande parte da memória da cidade. Contemplando a paisagem, que se emenda com a lagoa, ele diz que um jardim, público ou particular, deve proporcionar entretenimento, convívio, encontro, lazer, contemplação, alegria e beleza. “Burle Marx conseguiu casar todas essas ideias e sentimentos”, acredita.

Até Burle Marx se tornar referência no paisagismo modernista, com cerca de 3 mil projetos em vários países, todos os jardins públicos e de grandes residências no país eram calcados nos modelos inglês e francês, sendo um bom exemplo desse último a Praça Raul Soares, no Bairro Barro Preto, na Região Centro-Sul de BH. Ao romper com o padrão vigente, ele criou um estilo brasileiro, valorizando plantas nativas, como o coqueiro-macaúbas, muito comum no estado, e outras variedades rústicas. Muito desse conhecimento e respeito pelas plantas nacionais ele adquiriu em Minas, com o botânico Henrique Lahmeyer de Mello Barreto (1892-1962), que também é enfocado no livro de Ricardo Lana.

A próxima parada nesta viagem pela BH de Burle Marx é o Pampulha Iate Clube (PIC), construído em 1961, numa parte mais alta do bairro, de onde se tem uma vista que atravessa a lagoa e só termina na Serra do Curral. Mais uma vez, o artista trouxe das matas os coqueiros, que, por não darem muita sombra, garantem Sol pleno para os banhistas. Os volumes de lírios amarelos, a leveza da bela-emília, as massas de folhagem e os gramados amplos se complementam até encontrar o painel modernista Peixes, de Cândido Portinari (1903-1962), restaurado há três anos. Uma prática muito usada atualmente, a topiaria ou arte de adornar os jardins e dar às moitas configurações diversas, passaria longe da prancheta do paisagista. “Ele deixaria as plantas crescerem, fazendo apenas a poda normal, diferentemente do que se vê aqui no clube”, compara Lana.

DESCASO
Bem diante da lagoa, nas proximidades da escultura de Iemanjá, o estado da Praça Alberto Dalva Simão, na Avenida Otacílio Negrão, “faria Burle Marx se revirar no túmulo”. Ele fez um primeiro projeto para o espaço, entre 1942 e 1943, quando o nome ainda era Praça Santa Rosa, e um segundo, 30 anos depois. No entanto, toda sorte de degradação está no ambiente: pichações na estrutura de pedra-sabão, fonte quebrada, sujeira, pedras arrancadas, resto de fogueira, vegetação e plantas invasoras de grande porte. Trata-se um de projeto símbolo do paisagista, pois reúne rochas e vegetação de Minas Gerais. “Os canteiros, usando canga de minério trazida da Serra da Piedade, estão lastimáveis. As orquídeas desapareceram, assim como o cipó-de-são-joão, que ficava sobre a pérgula de concreto. Isso é o que se pode chamar de descaso. Era para ser um lugar fabuloso”, lamenta o arquiteto. A Administração Regional Pampulha informou que há projeto pronto da recupração da praça, mas que busca recursos para a execução da obra.

Mais adiante, na Casa do Baile, tudo parece perfeito, mas o estudioso da obra de Burle Marx mostra 13 árvores que interferem na fachada do prédio, onde há apenas um jardineiro para cuidar dos trabalhos. A diretora da Casa do Baile, a arquiteta Tereza Bruzzi, conta que um convênio firmado com a flora Tirol Plantas vai permitir a adoção do espaço, garantindo assim o fornecimento de mudas, a manutenção e a mão-de-obra.

No Iate Tênis Clube, fundado em 1943 e que abriga uma tela do paisagista, o projeto original do jardim também já sumiu do mapa, com profundas alterações no desenho primitivo. O gerente Alfredo Somasso diz que é feita manutenção sistemática. “Voltar ao traçado original seria impossível, pois não sabemos do paradeiro do projeto”, diz. Diante da questão, Lana, que acompanha a equipe nas visitas, se prontificou a dar uma cópia ao clube, para que providencie as obras. “Assim, vamos ver o que poderá ser feito”, acrescenta Somasso.
FONTE: http://www.uai.com.br/UAI/html/sessao_2/2009/01/18/em_noticia_interna,id_sessao=2&id_noticia=95777/em_noticia_interna.shtml

Nenhum comentário:

 


Creative Commons License
Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons.